Filhos: melhor não tê-los, mas se não os temos, como sabê-lo?

Já dizia o poeta:

“Filhos… Filhos?

Melhor não tê-los!

Mas se não os temos

Como sabê-lo?” (Vinícuis de Moraes)

 

 Embora ninguém possa desautorizar as palavras eternizadas do poeta, e muitos de nós concordemos com elas, já parece não ser consenso a necessidade aparentemente inerente do ser humano em ter filhos. Ainda, parece que a “necessidade” implícita na poesia também já não vigora mais com dominância suficiente para não ser ao menos questionada.

 

No jornal Zero Hora desse domingo (20 de outubro de 2013) em uma extensa reportagem mulheres, em sua maioria, mencionaram no texto seu não desejo pela maternidade e o que as levaram a esse posicionamento, aparentemente tão avesso ao que se espera de mulheres e casais maduros (em vários sentidos). Os argumentos são diversos, assim como as citações de estudos sobre a razão pela qual não ter filhos ou tê-los seria importante, bom ou ruim. O fato, aparente ao menos, é que esses sujeitos que optam por uma vida sem prole cresce e demanda mais espaço para essa nova forma de se constituir como família ou como forma de desejo autorizada socialmente.

 

Uma das colocações me chama especial atenção, referindo-me a um depoimento de uma mulher que optou por não ter filhos em sua relação, disse ela, mais ou menos nessas palavras: “Não há vazio a ser preenchido.” Essa frase me despertou atenção não somente por ser direcionada a ter ou não filhos, e o destino a que muitos desses filhos parecem destinados nas suas histórias familiares: sanar o vazio de existências incompletas. Chama-me a atenção de forma ampla: como nós, como sujeitos e sociedade, depositamos em um outro nossas expectativas de completar as nossas vidas, as quais, possivelmente, inadvertidamente, não conseguimos por nós mesmos. Isso vale para filhos, maridos, esposas, parceiros, amigos, amigas, parentes.

 

Ao contrário de uma postura narcísica, na qual através de um egocentrismo tortuoso, o sujeito se basta, pensei na perspectiva do sujeito não prescindir do outro necessariamente, mas não utiliza-los para tamponar buracos cavados somente a duas mãos, na maior parte dos casos. Não se trata de preencher vazios, trata-se de abrir novos espaços. Quando se quer colocar alguém em algum lugar vazio, é porque já havia espaço predestinado. Se há esse espaço, há uma configuração à espera. Com ela a expectativa inerente e a frustração logo adiante. Preencher vazios é como oferecer o já usado, o que sobrou, o já instalado, o lugar empoeirado. Construir espaços me parece diferente, mais próximo do que os sujeitos podem ser uns em relação aos outros, mais genuíno, onde até a poeira é diferente: porque ela surge da ação, não do vazio.

Precisamos falar sobre o Kevin: De onde nasce o mal?

No jornal do dia 02 de fevereiro li uma resenha crítica sobre o filme “Precisamos falar sobre o Kevin” a qual trouxe considerações muito interessantes sobre o filme e pontos cruciais do mesmo. Contudo, coloca também que o “mal” (da maldade, perversão, etc.) pode aparecer em qualquer lugar, em qualquer lar, em qualquer situação, o que não é de todo errado, mas seria igualmente importante assinalar que para que um sujeito seja predominantemente mal é necessário pensar que houve uma história e um amplo caminho na construção psíquica desse.

Definitivamente o mal não surge do nada.

Fui ver o filme e nele esse desenrolar do nascimento de uma personalidade perversa aparece de forma angustiante: uma mãe profundamente ambivalente em relação a um filho e que, traça com ele e os demais familiares uma história de tristeza, frustração e dor. Narrado a partir das suas memórias e vivências atuais, Eva (mãe de Kevin) busca, a todo momento, genuinamente compreender o que se passa, entretanto não lhe é possível, de maneira espontânea, alcançar uma relação real, viva e vincular com seu filho.

O personagem materno sobrevive – em vários sentidos – a todos os ataques do filho (e que são muitos!) de forma heróica e toma para si, de uma maneira incomum e conformada, toda a avalanche precipitada por Kevin, sendo, em certo grau, secretamente cúmplice à obscuridade interna que se desenrola no filho. É interessante notar – e sentir – a relação que há entre essa díade e a palavra ambivalente não é suficiente para descrevê-la: ao mesmo tempo em que há claramente ódio e repulsa, há algo do plano do não dito e que é compartilhado de forma intimamente perversa por ambos.

A forma como o drama é narrado e as cenas são amarradas umas as outras oferece uma possibilidade extra para compreender como aquilo tudo pôde acontecer.

Não há resposta que seja suficiente ou completa para a pergunta “de onde vem o mal?”, mas sempre há uma história a ser contada, escutada e sustenta em cada um de nós.

Mães Neuróticas, Filhos Nervosos

 

Você já viu o filme de Woody Allen “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”?

 

Pois foi justamente pensando nesse título que pensei no caso das mães e dos seus filhos.

 

Primeiramente, é necessário clarificar que o título de neurótica é utilizado em um sentindo muito mais popular do que é utilizado no meio acadêmico ou científico. Entretanto, cabe também dizer que quando falamos em mães neuróticas, fazemos referência a mães que apresentam muita dificuldade em conectar-se efetivamente com seus bebês e, dessa forma, impõem a eles seu ritmo, suas expectativas e, porque não, suas neuroses, impossibilitando um espaço de espontaneidade e criatividade que poderia emergir dessa relação.

 

Notadamente, mães de primogênitos são claramente mais ansiosas e, com isso, seus bebês parecem responder a esse sentimento demonstrando também sinais de ansiedade, os quais podem ser manifestados de várias maneiras, como dificuldades na hora de ir dormir e durante o sono, com a alimentação, dentre outros.

 

O que podemos generalizar com tranqüilidade é que, as mães têm uma relação estreita com seu bebê e isso, obviamente, não é novidade alguma. Entretanto, isso é válido tanto para coisas boas da relação, como para as que não são muito bem-vindas. A dificuldade para lidar com essas últimas é conseguir perceber isso devido ao grau de aproximação que essa relação demanda. Então, às vezes, buscar certo distanciamento crítico já é suficiente para checar se as coisas vão bem nessa relação tão importante e fundamental do ponto de vista da saúde mental desse bebê.

 

Os filhos, principalmente os bebês, são absolutamente sensíveis ao que suas mães querem deles, desejam ou sentem.

 

É importante ter clareza que não se tratar de um grau de perfeição idealista, de forma alguma isso seria mais apropriado dos que os erros espontâneos e afetivos; trata-se da compreensão profunda da conexão que existe entre o estado afetivo da mãe com o bebê.